Constelação Familiar no SUS, e agora?
- Ana Paula Klein
- 16 de abr. de 2018
- 4 min de leitura

No início de março/18 a Constelação Familiar foi incluída como Prática Integrativa e Complementar (PICS) no Sistema Único de Saúde (SUS) (Brasil, 2018). Para quem não está familiarizado com as políticas públicas de saúde, escrevo uma breve contextualização e reflexão.
No Brasil, com o fim da ditadura militar, a intensa luta para garantir a saúde como um direito social - com a união da sociedade, Reforma Sanitária Brasileira e CEBES - conquistou um marco decisivo para a reorganização do sistema de saúde brasileiro: a criação do SUS representando uma conquista do povo (Paim, 2015). A implantação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), em 2006 [1], caminhou em consonância com a orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS) e das Conferências Mundiais que incentivam os países a implantarem políticas voltadas para a medicina tradicional e complementar. No Brasil, essas práticas foram inseridas no SUS como forma de garantir a integralidade do cuidado, ampliar o olhar para o processo saúde-doença e promover o autocuidado (Brasil, 2018; Telesi, 2016).
Inicialmente a PNPIC ofertou as terapias: homeopatia, acupuntura, plantas medicinais, fitoterapia e termalismo, em 2017, mais 14 terapias [2] foram incluídas, e em 2018, dez novas práticas [3] foram incorporadas, incluindo a Constelação Familiar.
Nesse contexto, surgem perguntas: Como a Constelação Familiar irá ser ofertada? Os profissionais serão contratados para essa função? Haverá capacitação? Em quais locais será possível realizá-las?
O SUS, pensado e planejado como um direito à saúde, segue subfinanciado desde sua implantação. O investimento em serviços e profissionais suficientes para atender a demanda da população está aquém do necessário. Isto posto, os desafios para sua consolidação é enorme. Em paralelo às questões do financiamento, gestão e planejamento do sistema, percebemos disputas de modelos de cuidado... haja visto que no dia seguinte ao anúncio do Ministério da Saúde sobre a inclusão das novas práticas integrativas, o Conselho Federal de Medicina fez uma nota de repúdio à essa inserção (CFM, 2018). Percebemos aqui um confronto entre visões de mundo e compreensão do processo saúde-doença, além de interesses privados em reserva de mercado, corporativismo, imposição mercadológico das indústrias farmacêuticas, entre outros aspectos...
Ora, de que forma, a Constelação Familiar poderá ser incluída, uma vez que, fundamentada na abordagem sistêmica, propõe um novo olhar para o processo de adoecimento no qual reconhece que há dinâmicas familiares veladas que regem nossos comportamentos, nossas escolhas e também o desenvolvimento de doenças e sintomas? A pergunta que se desdobra é: O SUS está preparado para as Constelações Familiares? Há espaço subjetivo para a construção de novas formas de cuidado?
Observamos que após 12 anos de inclusão da acupuntura e plantas medicinais no SUS, por exemplo, ainda há muita resistência e preconceito com sua utilização. O que esperar então, das Constelações Familiares?
Desafios!
Muitos desafios se abrem diante de nós, e ao mesmo tempo, uma enorme possibilidade de apresentarmos um método de cuidado que permite reconhecer que as doenças não se reduzem à processos puramente fisiológicos, há uma compreensão de que os sintomas e as doenças podem expressar dinâmicas sistêmicas, lealdade à padrões e crenças familiares, vínculos ocultos, e exclusão simbólica/afetiva de ancestrais ou situações da história familiar passada. Faz-se necessário pontuar que não se trata de um método alternativo, o qual se opõe à outros tratamentos, mas um método complementar, que caminha junto à outras intervenções em saúde propiciando um cuidado integral (Hausner, 2010; Hellinger, 2009, 2014).
Quanto à sua implantação, será feita inicialmente por profissionais que já atuam no SUS, que já tem a formação e poderão oferecer nas Unidades de Saúde que trabalham (em qualquer nível de atenção à saúde), ou profissionais que por interesse, e investimento próprio, irão buscar essa formação para poder ofertá-la. Não há previsão de uma capacitação nacional para qualquer uma das práticas integrativas, ao contrário, há um explícito sucateamento do sistema com cortes de financiamento, impossibilitando sua expansão e qualificação.
A inclusão da Constelação Familiar no SUS se apresenta como avanço na medida em que é reconhecida como um método terapêutico que integra as diversas possibilidades de intervenções de cuidado em saúde. Que possamos juntos contribuir com a desconstrução da visão exclusivamente biomédica, ainda hegemônica nos serviços de saúde, para um modelo mais integral e sistêmico. Além da constante luta pela manutenção e consolidação do SUS frente ao seu explícito desmonte na atual gestão e situação política (Fiocruz, 2016).
[1] pela Portaria n° 971 (Brasil, 2006).
[2] Arteterapia, ayurveda, biodança, dança circular, meditação, musicoterapia, naturopatia, osteopatia, quiropraxia, reflexoterapia, reiki, shantala, terapia comunitária integrativa e yoga (Brasil, 2017).
[3] Apiterapia, Aromaterapia, Bioenergética, Constelação Familiar, Cromoterapia, Geoterapia, Hipnoterapia, Imposição de mãos, Ozonioterapia e Terapia de Florais (Brasil, 2018).
Referências
Brasil, Ministério da Saúde (2018). Ministério da Saúde inclui 10 novas práticas integrativas no SUS. Acesso em 13 abr 2018. Disponível em: http://portalms.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/42737-ministerio-da-saude-inclui-10-novas-praticas-integrativas-no-sus
Brasil, Ministério da Saúde (2017). Ministério da Saúde inclui 14 novos procedimentos na Política Nacional de Práticas Integrativas. Acesso em 13 abr 2018.
Disponível em: http://portalms.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/27929-ministerio-da-saude-inclui-14-novos-procedimentos-na-politica-nacional-de-praticas-integrativas
Brasil, Ministério da Saúde (2006). Portaria nº 971, de 03 de maio de 2006. Aprova a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde. Acesso em 13 abr 2018.
Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2006/prt0971_03_05_2006.html
CFM (2018). Nota à população e aos médicos, tema: Incorporação de práticas alternativas no SUS. Conselho Federal de Medicina. Acesso em 13 abr 2018. Disponível em: https://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=27485:2018-03-13-20-08-31&catid=3
Fiocruz (2016). Uma segunda alma para o SUS? Fiocruz, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venância. Acesso em 15 abr 2018. Disponível em: http://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/reportagem/uma-segunda-alma-para-o-sus
Hausner S. (2010). Constelações familiares e o caminho da cura: a abordagem da doença sob a perspectiva de uma medicina integral. São Paulo: Cultrix.
Hellinger B. (2014). A Cura: tornar-se saudável, permanecer saudável. Belo Horizonte: Atman.
Hellinger B. (2009). O Amor do Espírito na Hellinger Sciencia. Patos de Minas: Atman.
Paim J. (2015). O que é o SUS? Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.
Telesi Junior E. (2016). Práticas integrativas e complementares em saúde, uma nova eficácia para o SUS. Estudos Avançados; 30 (86).